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A babá é negra – Por Danielle Moraes

É mais fácil fechar os olhos, não atentar para os fatos e fingir que não vê, que não existe. Ou ainda, esconder-se sob o discurso de que todos são iguais e são tratados da mesma forma, que existe apenas uma parcela da sociedade que quer mais visibilidade ou tratamento prioritário. Mas a realidade é que mesmo que você não veja, mesmo que não acredite, mesmo que não aceite, o racismo está presente e faz milhares de vitimas diariamente. Tanto para quem não vê ou para quem pratica, e mais fácil esconder o racismo. Uma vez que é socialmente construída a ideia de que “é feio ser racista” e então, fruto de lutas, passou a ser crime, o racismo no Brasil é cada vez mais velado e justificado.

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Então, exatamente a você, fica aqui o meu conselho: abra os olhos e encare a realidade. Enxergue minuciosamente – às vezes está bem diante dos seus olhos – para além da aparência. Tente captar a essência das coisas que vai estar lá e você vai conseguir perceber que o racismo é tão arraigado na nossa sociedade que, em meio a teia capitalista, arrumou formas de ampliar suas vítimas partindo de uma diretriz apenas étnica e se tornando também social. Isso porque o racismo serve bem ao capital uma vez que este precisa excluir camadas da sociedade, seja pela superexploração formal ou seja fazendo com que estes se mantenham sempre às margens não tendo acesso e, consequentemente, não ingressando no mercado formal de empregos, mídia, cultura, dentre outros.

Um exemplo simples e que pode ser percebido ao caminhar pelas ruas: as empregadas domésticas, babás, flanelinhas, são negros. Quando você caminha de mãos dadas com seu namorado – que é branco – por um dos shoppings mais caros da cidade e as pessoas olham como se estivessem brincando de jogo dos sete erros. Ou ainda, quando você participa da festa da família do seu namorado e você e a empregada são as únicas negras e isso gera não apenas um desconforto, mas faz você analisar o ambiente e as pessoas. O que acontece? Alguém te confunde com a babá, ajudante, ou qualquer coisa do tipo e você não sabe se ri, chora, se impõe e causa um mal estar na família ou ignora. Casos dissidentes da subalternalidade da classe trabalhadora, citando aqui em especial a população negra, que sempre ocupa cargos de subserviência e as pessoas encaram com normalidade uma vez que o Brasil possui um passado baseado em economia escravista, burguesa e inserida num processo de industrialização/capitalização tardia.

Os meninos em situação de rua ou dependentes quimicos que vêm sofrendo pelas mãos de justiceiros de bairros são negros e pobres. Ou ainda o ladrão, que é sempre negro, a camada da população que mais morre é a negra e pobre, oprimida por um sistema  econômico e um Estado que reproduzem no seu âmago o preconceito de alguns em favor de outros, Estado este que possui no seu aparelho repressor negros que não se reconhecem como negros, mas, ainda assim, quando se deparam com um semelhante que ocupa um espaço de marginalidade social, não se identificam no outro e apenas oprimem, agridem, matam.

As vicissitudes do racismo se colocam de forma mais complexa e opressora, ao passo em que as lutas por reconhecimento avançam, o lado conservador ganha espaço travestido de (in)justiça social. Mas a pergunta é: justiça social para quem? Se a base da nossa sociedade foi feita com sangue, suor e lágrimas de seres humanos escravizados há 450 anos atrás e sofrem as consequencias disso até os dias atuais? A quem serve esta justiça que toma como exemplo de opressor exatamente os que são oprimidos por todos os lados deste que seus ancestrais nesta terra pisaram e sofrem na pele a passagem de valores racistas, preconceituosos, homofóbicos, transfóbicos, machistas de pais para filhos, fazendo com que crianças de três anos apontem os dedos dizendo que a negra é a empregada e a outra negra é a babá? Ou mais, a que serve esse modelo de sociedade, onde negros que não são empregadas domésticas, babás, flanelinhas, ladrões, traficantes, marginais (não em delito, mas em acesso), excluídos do acesso à cultura, educação, saúde de qualidade – já que o Estado não proporciona – por estarem sempre nas camadas mais baixas de poder aquisitivo, são exceções?

Abra os olhos. Mas não abra os olhos e se mantenha parado. Não abra os olhos e, principalmente, se mantenha calado. O racismo, seja ele étnico ou social, está aí. Só não enxerga quem não quer.

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Danielle Moraes é Bacharel em Serviço Social, feminista preta interseccional, mãe do Davi, marxista, umbandista e membra do Elas Existem. 

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