You are currently viewing Do tronco a tranca, a falsa abolição

Do tronco a tranca, a falsa abolição

Eu cresci ouvindo dizer que uma mentira contada mil vezes, acabava virando verdade…

Hoje eu sei!

Uma mentira contada mil vezes, não passa de uma mentira.

A balela que eu aprendi na escola, sobre uma princesa boazinha que, com uma canetada, salvou o povo preto é um exemplo perfeito de “mentira teimosa” que o Brasil adora cultuar.

E de lá de 1888 para cá? Mudou alguma coisa?

Certamente sim. Mas também tiveram inúmeras continuidades. E, para além das continuidades, houveram adaptações dos mecanismos de exclusão para responder a cada avanço conquistado pelo poder de nossa resistência.

No título deste texto eu te convido para uma reflexão, aproximando estas duas palavras: “tronco” e “tranca”, indo além da semelhança na escrita.

O tronco foi um dos mais expressivos instrumentos de punição direcionado aos africanos escravizados e seus descendentes. E seguindo por uma trilha de continuidades, existe a punição contemporânea institucionalizada, simbolizada popularmente pelo ícone tranca.

Na tranca, o corpo preto encarcerado repete o cruel desígnio de seu antepassado acorrentado ao tronco.

Em ambos os casos, tronco ou tranca, há uma dimensão física e simbólica: punir nossos comportamentos, criminalizar nossas práticas e condenar nossas existências por considerá-las inadequadas e nos fazer servir de exemplo aos nossos irmãos.

Um dia disseram que o nosso semblante era “cara de bandido”. A suspeição generalizada que nos é imposta condena pele, traje, nariz, ginga, lábio, cabelo…

Num mecanismo perverso, nossos corpos negros seguem a profecia que se autorrealiza.

Mas não seguimos apáticos. Nunca foi e nunca será sem luta.

Em uma sociedade onde o cheiro do sangue derramado pela violência colonial ainda está tão forte no ar, a comunidade negra precisa escolher entre morrer ou sobreviver…

Decidimos sobreviver.

E queremos mais, queremos VIVER!

Dizer não aos estigmas, aos rótulos, às etiquetas e seguir pulsando…

O povo preto vibrando suas potencialidades, fortalecendo seus sonhos e rumando para o futuro desejado.

Flávia Lopes Mãe do João, Ekedi de Oxum, pesquisadora na área de Políticas Públicas em Direitos Humanos da UFRJ

Este post tem um comentário

  1. Maria Priscila

    Texto excelente! Parabéns Flávia.

Deixe um comentário