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“Será que vão achar que sou uma macumbeira?”

O título apresenta uma das perguntas que ouvi recentemente durante uma das oficinas de turbante que ministrei dentro de uma unidade socioeducativa feminina. Essa pergunta não é nova para mim, já me havia sido foi feita em outras oficinas que realizei em escolas públicas e em projetos sociais.

Sempre que sou convidada a realizar atividades que envolviam cabelos e turbantes aparecem várias questões relacionadas a estereótipos negativos sobre os cabelos crespos e corpos negros.

Tenho uma resposta-pergunta pronta toda vez que essa mesma pergunta surge: – e se acharem que você é macumbeira? Qual o problema? As respostas quase sempre são as mesmas:

– não quero parecer ser uma macumbeira, isso é coisa ruim, coisa do diabo!

Essa é a hora em que preciso intervir imediatamente. Primeiro, para desconstruir essa perspectiva extremamente preconceituosa sobre as religiões de matriz africana e explicar o uso dos turbantes ou “panos de cabeça” dentro do contexto religioso, e segundo para apresentar os turbantes a partir de outras perspectivas políticas e culturais.

Revisitar a história dos turbantes no mundo e principalmente no continente africano é resgatar memórias perdidas sobre o povo africano e sobre nossa própria história.

Muitas pessoas acreditam que a história dos negros começou nos navios negreiros ou nas senzalas. É preciso afirmar que, parafraseando a saudosa Makota Valdina, “Não somos descentes de escravos! Somos descendentes de seres humanos que foram escravizados!”.

Resgatar a humanidade das pessoas negras faz parte do processo de valorização da cultura e história africana e também da luta antirracista.  Angela Davis já nos alertou que “Numa sociedade racista, não ser racista não é o bastante. Temos que ser antirracistas”.

E é nessa perspectiva que nós, Associação Elas Existem- Mulheres Encarceradas, acreditamos. Os dados sobre encarceramento no Brasil apontam para uma população carcerária composta majoritariamente por pessoas negras 64% (INFOPEN/2016).

Quando utilizamos o recorte de gênero, mulheres negras são a maioria no cárcere se comparada com mulheres de outros pertencimentos raciais.

No sistema socioeducativo os dados se repetem, Segundo o SINASE-2016, 59,08% dos adolescentes e jovens em restrição e privação de liberdade foram considerados de cor parda/preta.  Da mesma forma que aqui fora, o racismo estrutura as relações, nos espaços de privação de liberdade não é diferente.

Muitas adolescentes negras sentem-se inferiorizadas pelo seu pertencimento racial a ponto de negar este pertencimento quando questionadas sobre ele. Muitas se denominam “morenas”, “mulatas”, “cor de jambo”, “chocolate” e até mesmo se negam a responder a pergunta alegando não saber qual seria a sua cor.  

Esse movimento de auto negar-se faz parte dos efeitos ocasionados pelo racismo, enquanto estrutura regulatória de relações, padrões estéticos, políticos, culturais e religiosos.  É essa estrutura que define quem é bonito, quem é inteligente e também que permite a quase naturalização dos corpos negros nos espaços de privação de liberdade.

Muitas pessoas, incluindo políticos e intelectuais,  levantaram voz contra as políticas de ação afirmativa por achar injusta a reserva de vagas para pessoas negras nas universidades públicas. Porém, não sentem incômodo algum quando são os corpos pretos a ocupar mais de 60% das vagas no sistema carcerário brasileiro.

Nosso grande desafio atuando com adolescentes negros/as privados de liberdade é ajudar a construir uma perspectiva afirmativa sobre si mesmo a partir do seu pertencimento racial. É de ressignificar  o sentido de ser negro/a mesmo vivendo num contexto onde tudo aponta para o oposto disso. É sobre remar contra a maré. É sobre resitir!

Pri

Maria Priscila dos Santos, pedagoga, mestra em educação pela UNEB, membra da Diretoria Colegiada da associação ELAS EXISTEM, e do GT Combate ao racismo estrutural.

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